27/03/15

Não pode haver livro mais belo

Queria decifrar as fábulas e os mitos que os Antigos nos legaram, nos quais os pintores e os escultores encontram um prazer sem fim e sem pensamento, queria decifrá-los como hieróglifos duma sabedoria secreta e inesgotável cujo sopro me parecia por vezes sentir como através de um véu.

( Hugo von Hofmannsthal, in "A Carta de Lorde Chandos", Ed. Relógio D'Água)

Hugo von Hofmannsthal

1874-1929

13/03/15

"A Irmã Santo Suspiro"

1945
A música tonitruante difundida pelo gramofone esvaziava-a das suas capacidades críticas e reduzia-a à condição de robô magnetizado num campo de concentração onde não havia lugar para gestos rebeldes. Na véspera da festa, o dia seguinte apresentou-se-lhe sob perspectivas tão grotescas que analisou várias hipóteses de fuga, todas falíveis excepto o suicídio, que, como aluna de um colégio católico, prontamente se apressou a descartar.

(Teresa Veiga, in "Gente Melancolicamente Louca", Ed. Tinta-da-China)

02/03/15

As Necessidades da Alma

O risco

O risco é uma necessidade essencial da alma. A sua ausência suscita uma espécie de tédio que paralisa quase tanto como o medo, embora de uma forma diferente. Por outro lado, há situações que, ao implicarem uma angústia difusa sem riscos precisos, transmitem as duas enfermidades ao mesmo tempo.
O risco é um perigo que provoca uma reacção reflectida, quer dizer, que não ultrapassa os recursos da alma a ponto de a esmagar sob o medo. Em certos casos, inclui uma parte de jogo; noutras ocasiões, constitui o maior estímulo possível, quando uma obrigação concreta impele o homem a fazer-lhe frente.
A protecção dos homens contra o medo e o terror não implica a supressão do risco; pelo contrário, implica a presença permanente de uma certa quantidade de risco em todos os aspectos da vida social, pois a ausência de risco enfraquece a coragem a ponto de deixar a alma, se isso acontecer, sem a menor defesa interior contra o medo. É necessário apenas que o risco se apresente em condições tais que não se transforme em sentimento de fatalidade.


[Simone Weil, in "O Enraizamento", Ed. Relógio D'Água]

Simone Weil

1909 - 1943