16/06/17

Habito Uma Dor

Não deixes o cuidado de governar o teu coração a essas ternuras parentes do outono do qual retiram a sua placidez e afável agonia. O olho enruga-se precocemente. O sofrimento conhece poucas palavras. Prefere deitar-te sem fardos: sonharás com o amanhã e o teu leito ser-te-á ligeiro, sonharás que a tua casa não tem vidros. Sentir-te-ás impaciente por te unir ao vento que percorre um ano numa noite. Outros cantarão a incorporação melodiosa, as carnes que já só personificam a magia da ampulheta. Condenarás a gratidão que se repete. Mais tarde serás equiparado a um gigante que se desagregou, senhor do impossível...
E no entanto.
Não fizeste senão aumentar o peso da tua noite. Regressaste à pesca nas muralhas, à canícula sem verão. Estás furioso contra o teu amor no centro de um acordo que se assusta. Pensa na casa perfeita que nunca verás erguer-se. Para quando a colheita do abismo? Mas tu furaste os olhos do leão. Julgas ver passar a beleza por cima das lavandas negras...
O que foi que te ergueu, uma vez mais, um pouco mais acima, sem te convencer?
Não há cadeiras puras.


René Char

1907 - 1988